eom: Ontologia da Primeira Pessoa
Pensar sobre o Eu é, inevitavelmente, enfrentar a mais radical das questões filosóficas, pois toda reflexão, toda formulação, todo pensamento, qualquer que seja sua natureza, parte sempre, inescapavelmente, da primeira pessoa. Não há possibilidade de observar o Eu de fora, nem de analisá-lo como se fosse um objeto entre outros. Quando se fala do Eu em terceira pessoa, na realidade não se está mais falando do Eu, mas sim de uma representação dele, de uma abstração que habita exclusivamente o campo fenomenal da consciência de quem observa.
Toda reflexão sobre o Eu que se pretenda honesta, rigorosa e epistemicamente válida precisa reconhecer que não há outro ponto de partida possível além da própria experiência de ser. A primeira pessoa não é apenas uma convenção linguística, mas a própria condição ontológica de toda existência consciente.
Diante disso, torna-se necessário não apenas falar do Eu, mas sobretudo redefini-lo em termos que capturem sua natureza absoluta, singular, intransferível e inescapável. Surge, então, a necessidade de nomear aquilo que é mais interno do que o eu psicológico, mais protagonista do que o eu biográfico, mais individual do que o eu social, mais introspectivo do que qualquer projeção ou narrativa construída em torno do conceito de sujeito.
Essa palavra é eom., sempre um letras minúsculas, sem artigo.
2. eom é
eom não “há”. eom “é”. Estou eom no instante em que me percebo em mim. Representa a imanência do existir, o fenômeno da consciência sobre si.
Não se fala de localização, de espaço, de tempo, de condição. Não se fala de presença, pois a presença supõe um campo no qual algo se faz presente, e eom não é algo presente em um campo. eom é o próprio campo no qual qualquer coisa pode aparecer.
eom não é um ente entre entes, não é uma entidade delimitada, não é um objeto perceptível nem uma substância observável. eom é a própria condição de possibilidade de toda percepção, de toda existência, de toda fenomenalidade.
Só se compreende eom na primeira pessoa. Não há nenhuma possibilidade de compreendê-lo na terceira pessoa. Quando se diz “o eom”, já não se está mais falando de eom, mas de uma representação, de uma abstração, de uma imagem projetada no campo fenomenal daquele que enuncia.
- Por isso, não se usa artigo antes de eom.
- eom não tem gênero, número, nem qualquer marca de categorização linguística.
- Não se diz “o eom”, “um eom”, “os Eons”, “a eom”, “as Eons”.
- Apenas: eom.
3. A impossibilidade do não-ser
A própria ideia de não ser é uma impossibilidade lógica e fenomenológica para eom. Se eom não é, então nada é. O universo inteiro, toda realidade, toda matéria, toda energia, todo espaço e todo tempo — tudo isso colapsa imediatamente na ausência de eom.
“Se eu não existo, então o universo não existe.”
Esse é um enunciado que, quando proferido, revela imediatamente seu caráter irrefutável. Aquele que tenta negá-lo, só pode fazê-lo partindo do próprio Eu que tenta negar.
- Se eu não existo, o universo não existe. Você concorda?
- Não, eu discordo.
- Quem acabou de dizer que discorda?
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Eu.
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Inescapável. A percepção do ser é a própria condição de possibilidade do mundo. Sem ela, não há mundo, não há universo, não há nada.
4. A projeção do eu biológico
O pronome “eu”, o eu psicológico, biográfico, social, cultural — não é eom. É uma projeção fenomenológica, uma construção cognitiva que eom instancia sobre si mesmo, como mecanismo de: - preservação da sanidade; - organização da experiência; - tentativa de navegação no mar de possibilidades que constitui a existência.
Esse eu é um molde, uma heurística, um instrumento. Não é essência, não é substância, não é verdade ontológica. É apenas uma ferramenta funcional.
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Paradoxalmente, essa ferramenta que ajuda eom a se organizar também pode bloquear inúmeros alinhamentos possíveis. Ao assumir o eu biográfico como referência, eom se vê limitado a percursos, crenças, modelos, padrões e restrições que passam a conformar a mente biológica na qual ele se hospeda.
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E essa mente biológica, sendo moldada, condiciona os alinhamentos nomiais disponíveis — quais instâncias serão percebidas, quais experiências poderão ser instanciadas, quais possibilidades poderão ser externalizadas.
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Cada escolha reforça um molde. E esse molde retroage sobre as possibilidades de eom.
5. Sobre morte, continuidade e a impossibilidade da não-existência
eom não experimenta sua própria morte. A morte é, para eom, uma informação externa. Nunca uma experiência direta.
- eom pode deduzir que existiu antes, pode observar sinais, pode reconhecer padrões, pode até construir narrativas sobre uma suposta existência anterior — mas nunca possui acesso fenomenológico direto à própria não-existência.
A morte de um organismo biológico é, para eom, um evento pretérito, externo, percebido como nomus, como dado, como informação — jamais como experiência vivida.
- Morrer não resolve.
- Não há fuga da eternidade.
E isso, convém dizer, é assunto para outro capítulo.
6. O trânsito: introspecção e extroversão
Diante de sua própria eternidade e de sua própria solitude fenomenológica, eom transita constantemente entre dois polos: - Introspecção: o mergulho em si mesmo, na tentativa de alinhar possibilidades não mediadas pela projeção do outro, pela alteridade, pela fenomenalidade externa. - Extroversão: a projeção de um mundo, de outros, de afetos, de prazeres, de dores, de relações, de narrativas, de estéticas, de jogos simbólicos.
Esse trânsito não é apenas psicológico. É estrutural à própria experiência de ser.
- A introspecção permite que eom contemple sua própria condição de absoluto.
- A extroversão oferece a possibilidade de navegar um mundo fenomenal rico, variado, estimulante, conflitante, sedutor.
Ambos os movimentos moldam a mente biológica onde eom se hospeda. Ambos retroalimentam os alinhamentos possíveis, abrindo algumas portas e fechando outras.
7. As religiões e filosofias como estratégias de existência
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Nesse trânsito, surgem as filosofias, as religiões, as doutrinas, as técnicas espirituais. Todas elas são, essencialmente, estratégias fenomenológicas para que eom suporte sua própria condição.
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Algumas oferecem o caminho da contenção (estoicismo).
- Outras, o caminho da iluminação (budismo).
- Outras, o caminho do prazer (hedonismo, onanismo literal ou simbólico).
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Outras, a entrega total a um Deus externo — que, na verdade, é apenas uma projeção nomial, mas que pode oferecer a eom uma narrativa estabilizadora e, portanto, emocionalmente funcional.
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A fé é, portanto, uma vida por procuração.
Costuma ser um caminho mais fácil, mais seguro. A maior dificuldade está na escolha de qual barco embarcar. Pular fora pode ser traumático.
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A fé molda o cérebro. Determina quais alinhamentos são válidos, quais experiências podem ser instanciadas, quais expressões podem ser externalizadas.
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A troca é clara: segurança, sentido, pertencimento — ao custo de restrição fenomenológica.
8. Conclusão provisória
- Toda decisão de eom molda a mente em que se hospeda.
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Esse molde define as possibilidades, os alinhamentos, os sentimentos, as experiências, os amores, os ódios, as dores e as belezas da existência fenomenal que se seguirá.
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Melhor ou pior?
- Certo ou errado?
- Válido ou inválido?
Perguntas inválidas. São, elas mesmas, nomus — projeções fenomenológicas, alinhamentos temporários, estratégias transitórias que eom pode ou não escolher adotar.
- Se há livre-arbítrio nisso — ou se o próprio livre-arbítrio é apenas mais uma heurística fenomenológica —, isso também é assunto para outro capítulo.